Wednesday, February 14, 2007

Encontros...

São agora seis horas, está na hora de sair.
Arrumo o meu portátil, limpo a secretaria, ponho o casaco e sigo porta fora. Vou passear ate ao People's Square para não ir directamente para casa.

Está frio cá fora. Está sempre frio ao fim do dia. O sol há muito se pôs e a noite já reina. É a esta hora que Shanghai começa a mostrar os seus encantos.
Chegada a noite a Cidade tímida e envergonhada levanta o véu debaixo do qual se esconde e mostra sorriso. Movimento e festivais de luzes acordam uma cidade adormecida.
São horas de jantar para os locais. O transito caótico disputa os seus espaços com os passeios transbordados. Os restaurantes desaparecem por trás dos vapores das suas cozinhas que fervilham para conseguir responder ao sempre crescente numero de estômago por encher.
Hoje mais do que nos outros dias...
A porta do centro comercial reparo em vários miúdos de presente nas mãos.
Inquietos, os seus olhos procuram em vao por entre a invasora multidão um sinal das suas respectivas mais que tudo. Ramos de flores, caixas de chocolates, balões em forma de coração com um consistente predomínio do cor de rosa e do roxo. Um mais original segura um ramo de ursos de peluche. (Será mais correcto chamar-lhe um conjunto de espetadas de ursinhos de peluche, mas para a historia fica a nota positiva de querer se destacar pela diferenca...)
Cruzo o olhar com um deles que olha fixamente na minha direcção. Um pouco confuso ao principio, ele franze os olhos a procura de certezas. Faço me de indiferente e despercebido mas continuo a olhar com inúmeras perguntas a atravessarem me a cabeça. Lê-se quase desespero no seu olhar. Por esta altura a minha expressão não deve passar de um enorme ponto de interrogação. Continuamos fixados um no outro. Nenhum parece querer ceder.
Ele sustém a respiração por um segundo. Ai, reparo que as flores que segura gritam por ar, o plástico que as envolve enruga-se cada vez mais, mais força e estará quase inutilizavel. Estou a passar na passadeira. Um Funil humano em que ninguém parece querer ir para o mesmo lado.
Estou cada vez mais próximo e mais perplexo. Mesmo que quisesse desviar o olhar não posso, já que ele esta entre mim e a entrada; a multidão embalada não me permite qualquer desvio de trajectoria e uma única desatenção poderá significar um seguimento imparável e doloroso de atropelamentos.
Chego ao passeio. A multidão começa a dispersar e o seu olhar ilumina-se.
Os minhas duvidas caminham a passos largos para quando sou abalroado por uma miúda chinesa. Luto para manter o equilibrio (e o que me sobra de postura estando sobre uma perna apenas), o que consigo fazer ao pisar três avozinhas de meio metro e agarrando finalmente um triciclo sobrecarregado de papelão. Começam a voar os insultos que me passam ao lado. Nos ouvidos apenas reinam os natirutz por esta altura.
Equilibrado e composto começo a procura da criminosa da qual fui vitima. Apanho o ultimo momento dos seus agradecimentos ao meu "amigo". Sorriem e trocam um beijo fugaz antes de desaparecerem por entre os seus pares.
Não era ele que estava entre mim e a porta, eu é que estava entre ele e ela. Começo então a olhar a minha volta. Reparo mais do que olho. A juventude chinesa saiu a rua. Todos se passeiam de mãos dadas, palavras doces são ditas junto dos ouvidos, abraços são trocados e beijinhos são a única coisa que esconde os sorrisos que me inundam as caras a minha volta.
Lembro me então que aqui como em qualquer lado, hoje é dia de S. Valentim.

2 comments:

Lorena said...

No Bangladesh o dia de S. Valentim é celebrado no dia 13 de Fevereiro, na companhia da Primavera...

Já vi que por esse lado do globo o dia do amor é entusiasticamente consumido.

Abraços

El-Gee said...

Kelly isto foi das melhores coisas que já li.

Uma cidade distante, um anoitecer, amor no ar, juventude de olhos bem abertos, barulho e confusão, sentimentos confusos, curiosidade, iPod, incerteza, absorção, entrega, flutuar.

E saber contá-lo aos outros.

Mt bom.